sexta-feira, 15 de janeiro de 2010

Os Infortúnios da Virtude...


Sade era um grandessíssimo sacana. Disso não tenho dúvidas. Mas estou convencida, também, de que poucos conseguiram externar o podre que habita em nós, de maneira tão realista e direta.
Finalmente eu satisfiz o meu desejo antigo de ler Justine ou Os Infortúnios da Virtude, que dizem ser a sua melhor realização. As quase duzentas páginas foram devoradas em menos de vinte e quatro horas (não sei se pela capacidade de envolvimento da obra, ou se pela minha curiosidade, principalmente pelo fato do livro ter chegado até mim sem que eu esperasse). Será que o Marquês consideraria isso um infortúnio conseqüente à minha virtude?
Por meio do sofrimento de nossa heroína e, muito antes de Darwin e sua teoria sobre a evolução das espécies pela seleção natural, Sade faz uma crítica feroz ao ser humano.
Justine, a personificação da boa fé, a cada gesto de generosidade era levada ao martírio. A inocência, uma de suas principais características, tornava-na um alvo fácil perante a lei do mais forte.
Enquanto sua irmã Juliette transformava-se em uma mulher bem sucedida, por ter optado levar uma vida oposta a tudo que se considera politicamente correto e justo, ela ia colhendo os infortúnios causados por sua própria virtude.
Figuras como a perigosa Dubois ou o tirano Dalville que era, segundo a própria Justine, “o mais rico dos criminosos da Terra”, nos induzem a acreditar na maldade como algo mais próximo do que se possa idealizar. Suas expressões altamente convincentes tentam nos levar a entender tudo que justifique o que há de mais cruel no mundo.
Se não bastasse a “essência maldita”, membros do clero tornaram-se personagens repugnantes aos olhos de qualquer pessoa que se limite a alguns tapinhas. Isso contribuiu ainda mais para que o autor fosse repudiado pela Igreja. Além disso, a religião é apresentada como um refúgio para os fracos.
O final é realmente especial, e contém uma sátira digna da acidez e sarcasmo naturalmente peculiar ao Marquês.
Longe de ser um trabalho pornográfico, os detalhes que envolvem sexualidade ficam a cabo de nossa própria imaginação. E talvez seja isso que nos choque, não suas palavras.

2 comentários:

  1. A imaginação é um grande aliado. Faz, da literatura ao sexo, tudo muito melhor. Neste sentido, é ótimo viver tropeçando nos astros distraído.

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  2. Muito bom! uma óbra de arte, é isso, são os caminhos da vida, a imaginação criando o sentido e revelando caminhos,escolhas, lapidando nosso intelecto.

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