quinta-feira, 1 de outubro de 2009

Imagens do Invisível

Imagens do Invisível

Incluir, numa eventual lista de incidentes em que como por azar se conjugam arte e morte e vida, episódios como os seguintes. Ao Davi de Michelangelo lhe quebraram o braço com uma pedrada. Através de um enfurecido detrator de Michelangelo, Golias se vingava. O cadáver de Goya foi desenterrado e mutilado: seu cadáver também, assim, pareceu grotesco. As esculturas do Aleijadinho, feitas em pedra porosa, agora parecem estar contaminadas pela sua enfermidade: a lepra segue retocando obras indefinidamente inacabadas: sobras: ruínas. Mallarmé, cuja poética se confunde com o suicídio, morreu de um espasmo na glote. Uma tradução psicossomática do Grande Livro, segundo Charles Mauron. Em 27 de agosto de 1938, sete anos depois de se representar num autoretrato vesgo do olho direito, vazaram o olho esquerdo de Victor Brauner acidentalmente. O enterro do dramaturgo cubano Virgilio Piñera foi quase uma uma peça sua: teatro do absurdo in extremis. Em 9 de setembro de 1985, durante a cobertura de um coup d´etat fracassado na Tailândia, morrem dois jornalistas da National Broadcasting Company, Neil Davis e Bill Latch. Davis, cinegrafista, foi atingido por tiros diante de sua própria câmera, que ao cair no chão, continuou filmando-o em posição vertical. A morte do jornalista se converteu assim numa notícia espetacular. Acaso objetivo, teleologia, hipertelia, jogo de dados que jamais abolirá o acaso.


Fragmento de ensaio do poeta cubano Octavio Armand,
tradução de Priscila Manhães Lerner.

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