sexta-feira, 21 de maio de 2010

A médica, o celular, a confiança e a inconveniência.


Hoje minha mãe sentiu-se mal, pela manhã, mas como o tempo foi passando e ela não tinha previsão de alta, achei por bem comer alguma coisa. Fui até a cantina do hospital (onde a havia levado na emergência) e presenciei uma cena bastante intrigante.
Na verdade, isso é o que existe de mais previsível, mas, às vezes, sinto que muita gente se esquece.
Uma médica fazia caras e bocas, expressando tremenda irritação, enquanto ouvia alguém pelo celular. Após alguns minutos ela disse algo que eu não consegui entender direito e desligou a chamada. Em seguida, pude acompanhar sua conversa com uma moça que estava sentada à sua mesa. O diálogo foi mais ou menos assim:
- Incrível como as pessoas te ligam e sequer perguntam se você pode falar... A criatura ligou e foi falando, falando, falando... E eu tive de aproveitar a primeira brecha para inventar uma desculpa e desligar. Ninguém merece!
- E quem era?
- Ah... Era uma problemática aí que me liga direto. E o pior é que eu nem tenho como ajudar a resolver o caso dela, e eu já dei a entender isso, mas ela não se toca! Qualquer hora dessas eu vou ter que dizer que sou médica e não psicóloga!
Pouco tempo depois eu terminei de almoçar e resolvi me levantar. Daqui a pouco poderiam pensar que eu havia ficado apenas para escutar a conversa... Fui embora, mas a lição ficou. Melhor dizendo, as lições ficaram.

quinta-feira, 8 de abril de 2010

Uui!


Ontem fui, finalmente, ao salão abandonar as influências de Frida Kahlo (pelo menos durante os próximos 20 dias).
Enquanto estava lá, escancarada, ouvindo as histórias polêmicas de minha depiladora (isso mesmo, ela insiste em usar esse artifício para me distrair, não sei se numa tentativa de me fazer esquecer de minha condição patética, ou da dor mesmo), lembrei-me de um texto engraçadíssimo (não sei se a identidade fomentou minha risada, ou se pode ser considerado um bom texto realmente).
Tirem suas próprias conclusões. Mas eu digo que nunca li nada mais fidedigno e tangível ao nosso “sofrimento”.

Depilação cavada

- "Tenta sim. Vai ficar lindo."
Foi assim que decidi, por livre e espontânea pressão de amigas, me render à depilação na virilha. Falaram que eu ia me sentir dez quilos mais leve. Mas acho que pentelho não pesa tanto assim. Disseram que meu namorado ia amar, que eu nunca mais ia querer outra coisa. Eu imaginava que ia doer, porque elas ao menos me avisaram que isso aconteceria. Mas não esperava que por trás disso, e bota por trás nisso, havia toda uma indústria pornô-ginecológica-estética.
- "Oi, queria marcar depilação com a Penélope.
- "Vai depilar o quê?"
- "Virilha."
- "Normal ou cavada?"
Parei aí. Eu lá sabia o que seria uma virilha cavada. Mas já que era pra fazer, quis fazer direito.
- "Cavada mesmo."
- "Amanhã, às... deixa eu ver...13h?"
- "Ok. Marcado."
Chegou o dia em que perderia dez quilos. Almocei coisas leves, porque sabia lá o que me esperava, coloquei roupas bonitas, assim, pra ficar chique.
Escolhi uma calcinha apresentável. E lá fui. Assim que cheguei, Penélope estava esperando. Moça alta, mulata, bonitona. Oba, vou ficar que nem ela, legal. Pediu que eu a seguisse até o local onde o ritual seria realizado.
Saímos da sala de espera e logo entrei num longo corredor. De um lado a parede e do outro, várias cortinas brancas. Por trás delas ouvia gemidos, gritos, conversas. Uma mistura de Calígula com O Albergue. Já senti um frio na barriga ali mesmo, sem desabotoar nem um botão. Eis que chegamos ao nosso
cantinho: uma maca, cercada de cortinas.
- "Querida, pode deitar."
Tirei a calça e, timidamente, fiquei lá estirada de calcinha na maca. Mas a Penélope mal olhou pra mim. Virou de costas e ficou de frente pra uma mesinha. Ali estavam os aparelhos de tortura. Vi coisas estranhas. Uma panela, uma máquina de cortar cabelo, uma pinça. Meu Deus , era O Albergue mesmo. De repente ela vem com um barbante na mão. Fingi que era natural e sabia o que ela faria com aquilo, mas fiquei surpresa quando ela passou a cordinha pelas laterais da calcinha e a amarrou bem forte.
- "Quer bem cavada?"
- "...é ... é, isso."
Penélope então deixou a calcinha tampando apenas uma fina faixa da Abigail, nome carinhoso de meu órgão, esqueci de apresentar antes.
- "Os pêlos estão altos demais. Vou cortar um pouco senão vai doer mais ainda.
- "Ah, sim, claro.
Claro nada, não entendia porra nenhuma do que ela fazia. Mas confiei. De repente, ela volta da mesinha de tortura com uma espátula melada de um líquido viscoso e quente (via pela fumaça).
- "Pode abrir as pernas."
- "Assim?"
- "Não, querida. Que nem borboleta, sabe? Dobra os joelhos e depois joga cada perna pra um lado."
- "Arreganhada, né?"
Ela riu. Que situação. E então, Pê passou a primeira camada de cera quente em minha virilha virgem. Gostoso, quentinho, agradável. Até a hora de puxar. Foi rápido e fatal. Achei que toda a pele de meu corpo tivesse saído, que apenas minha ossada havia sobrado na maca. Não tive coragem de olhar. Achei que havia sangue jorrando até o teto. Até procurei minha bolsa com os olhos, já cogitando a possibilidade de ligar para o Samu. Tudo isso buscando me concentrar em minha expressão, para fingir que era tudo supernatural.
Penélope perguntou se estava tudo bem quando me notou roxa. Eu havia esquecido de respirar. Tinha medo de que doesse mais.
- "Tudo ótimo. E você?"
Ela riu de novo como quem pensa "que garota estranha". Mas deve ter aprendido a ser simpática para manter clientes.
O processo medieval continuou. A cada puxada eu tinha vontade de espancar Penélope. Lembrava de minhas amigas recomendando a depilação e imaginava que era tudo uma grande sacanagem, só pra me fazer sofrer. Todas recomendam a todos porque se cansam de sofrer sozinhas.
- "Quer que tire dos lábios?"
- "Não, eu quero só virilha, bigode não."
- "Não, querida, os lábios dela aqui ó."
Não, não, pára tudo. Depilar os tais grandes lábios ? Putz, que idéia.
Mas topei. Quem está na maca tem que se fuder mesmo.
- "Ah, arranca aí. Faz isso valer a pena, por favor."
Não bastasse minha condição, a depiladora do lado invade o cafofinho de Penélope e dá uma conferida na Abigail.
- "Olha, tá ficando linda essa depilação."
- "Menina, mas tá cheio de encravado aqui. Olha de perto."
Se tivesse sobrado algum pentelhinho, ele teria balançado com a respiração das duas. Estavam bem perto dali. Cerrei os olhos e pedi que fosse um pesadelo. - "Me leva daqui, Deus, me teletransporte". - Só voltei à terra quando entre uns blábláblás ouvi a palavra pinça.
- "Vou dar uma pinçada aqui porque ficaram um pelinhos, tá?"
- "Pode pinçar, tá tudo dormente mesmo, tô sentindo nada."
Estava enganada. Senti cada picadinha daquela pinça filha da puta arrancar cabelinhos resistentes da pele já dolorida. E quis matá-la. Mas mal sabia que o motivo para isso ainda estava por vir.
- "Vamos ficar de lado agora?"
- "Hein?"
- "Deitar de lado pra fazer a parte cavada."
Pior não podia ficar. Obedeci à Penélope. Deitei de ladinho e fiquei esperando novas ordens.
- "Segura sua bunda aqui?"
- "Hein?"
- "Essa banda aqui de cima, puxa ela pra afastar da outra banda."
Tive vontade de chorar. Eu não podia ver o que Pê via. Mas ela estava de cara para ele, o olho que nada vê... Quantos haviam visto, à luz do dia, aquela cena? Nem minha ginecologista. Quis chorar, gritar, peidar na cara dela, como se pudesse envenená-la. Fiquei pensando nela acordando à noite com um pesadelo. O marido perguntaria:
- "Tudo bem, Pê?"
- "Sim... sonhei de novo com o fiofó de uma cliente."
Mas de repente fui novamente trazida para a realidade. Senti o aconchego falso da cera quente besuntando meu twin peaks. Não sabia se ficava com mais medo da puxada ou com vergonha da situação. Sei que ela deve ver mil cús por dia. Aliás, isso até aliviava minha situação. Por que ela lembraria justamente do meu entre tantos? E aí me veio o pensamento: peraí, mas tem cabelo lá?
Fui impedida de desfiar o questionamento. Pê puxou a cera. Achei que a bunda tivesse ido toda embora. Num puxão só, Pê arrancou qualquer coisa que tivesse ali. Com certeza não havia nem uma preguinha pra contar a história mais. Mordia o travesseiro e grunhia ao mesmo tempo. Sons guturais, xingamentos, preces, tudo junto.
- "Vira agora do outro lado."
Porra.. por que não arrancou tudo de uma vez? Virei e segurei novamente a bandinha. E então, piora. A bruaca da salinha do lado novamente abre a cortina.
- Penélope, empresta um chumaço de algodão?
Apenas uma lágrima solitária escorreu de meus olhos. Era dor demais, vergonha demais. Aquilo não fazia sentido. Estava me depilando pra quem?
Ninguém ia ver o tobinha tão de perto daquele jeito. Só mesmo Penélope. E agora a vizinha inconveniente.
- "Terminamos. Pode virar que vou passar maquininha."
- "Máquina de quê?!"
- "Pra deixar ela com o pêlo baixinho, que nem campo de futebol."
- "Dói?"
- "Dói nada."
- "Tá, passa essa merda..."
- "Baixa a calcinha, por favor."
Foram dois segundos de choque extremo. Baixe a calcinha!!!...como alguém fala isso sem antes pegar no peitinho? Mas o choque foi substituído por uma total redenção. Ela viu tudo, da perereca ao cú. O que seria baixar a calcinha? E essa parte não doeu mesmo, foi até bem agradável.
" - Prontinha. Posso passar um talco?"
- "Pode, vai lá, deixa a bicha grisalha."
- "Tá linda! Pode namorar muito agora."
Namorar...namorar... eu estava com sede de vingança. Admito que o resultado é bonito, lisinho, sedoso . Mas doía e incomodava demais. Queria matar minhas amigas. Queria virar feminista, morrer peluda, protestar contra isso. Queria fazer passeatas, criar uma lei antidepilação cavada.


* Ouvi dizer que o texto é de Patrícia Travassos, mas não tenho certeza.

quarta-feira, 31 de março de 2010

Cold Case novamente!!! Oba!!!


E não é que no horário da novela chata das 8, o SBT voltou a apresentar uma de minhas séries favoritas?
Que maravilha!!!

quarta-feira, 24 de março de 2010

Teria, no futuro do pretérito...


É... E mais uma vez eu me joguei com tudo e descobri que o tudo ainda é nada. Ou, pelo menos, que ele ainda não chegou para mim.
Prestei um concurso recentemente e fiquei em uma posição muito ruim, obviamente sem nenhuma chance de ser chamada, a menos que Deus diga diretamente que sim. Seria mais um concurso, como tantos outros, que fiz e me dei mal, se não fosse um pequeno detalhe que, até agora, acho que posso considerar uma ironia do destino. Ah, o destino, esse sacana, que vive me pregando peças, deu-me um sinal como se eu fosse esperta o suficiente para perceber.
No ato da inscrição, cometi um erro; sem querer, escolhi a cidade de lotação errada (ou seria a certa?), mas logo me dei conta do “equívoco” e o corrigi. Imprimi outra inscrição, dessa vez com a cidade de minha escolha consciente, e paguei sabendo que a instituição organizadora consideraria a opção paga.
Não vou mais me cobrar, nem chorar, nem me lamentar. Meus amigos e familiares não agüentam mais, nem os colegas do curso, que conheci recentemente, coitados. Mas confesso que depois da hora maldita em que me veio a infeliz curiosidade que me levou a averiguar os resultados dos candidatos que concorreram para a outra cidade (isso mesmo, aquela que havia sido, “erroneamente” a minha primeira opção), eu mal consegui dormir.
Para encurtar a conversa, de acordo com minha pontuação, eu teria, no “futuro do pretérito”, passado em 4º lugar...

quinta-feira, 18 de março de 2010

Aí vou eu!!!


There She Goes
Sixpence None The Richer



There she goes
There she goes again
Racin through my brain
And i just can't contain
This feeling that remains

There she goes
There she goes again
Pulsin through my veins
And i just can't contain
This feeling that remains

There she goes (there she goes again)
There she goes again (there she goes again)
Racing through my brain (there she goes again)
And i just can't contain
This feeling that remains

There she goes
There she goes again
She calls my name
Pulls my train
No one else could heal my pain
And i just can't contain
This feeling that remains

There she goes (she calls my name)
There she goes again (she calls my name)
Chasin down my lane (she calls my name)
And i just can't contain
This feeling that remains

Ther she goes (there she goes again)
There she goes (there she goes again)
There she goes

domingo, 14 de março de 2010

O ruim que agrada e o bom que repele.


Eu adorava o programa Contos da Meia Noite, que passava na TV Cultura, poucos anos atrás. Aliás, eu sempre fui fã da programação dessa emissora, desde a infância (isso mesmo, eu preferia X- Tudo, Ra-Tim-Bum, Glub-Glub e mais um monte desses lances educativos, a Xuxa, Angélica, etc.).
Depois que cresci, apenas não perdi o ritmo, ou melhor, o bom gosto. : )
Estava aqui “passeando” pela Internet, quando achei esse texto fantástico. Aí, lembrei-me que já o conhecia, pois ele também já tinha sido apresentado no programa mencionado anteriormente, por meio da interpretação magistral de Maria Luísa Mendonça.
No que se refere a esse conto, especialmente, talvez o que mais me impressione seja o fato da temática ser tão atual, apesar de ter sido escrito no início do século passado. E uma espécie de desânimo por não poder negar que assim mesmo é a vida...
Para quem tem preguiça de ler, ou prefere constatar o talento da maravilhosa atriz, aqui estão os links (divididos em duas partes):

http://www.youtube.com/watch?v=qQCJ6E_1EIw

http://www.youtube.com/watch?v=AwG3yiVSLYM&feature=related

O homem de cabeça de papelão
João do Rio

No País que chamavam de Sol, apesar de chover, às vezes, semanas inteiras, vivia um homem de nome Antenor. Não era príncipe. Nem deputado. Nem rico. Nem jornalista. Absolutamente sem importância social.

O País do Sol, como em geral todos os países lendários, era o mais comum, o menos surpreendente em idéias e práticas. Os habitantes afluíam todos para a capital, composta de praças, ruas, jardins e avenidas, e tomavam todos os lugares e todas as possibilidades da vida dos que, por desventura, eram da capital. De modo que estes eram mendigos e parasitas, únicos meios de vida sem concorrência, isso mesmo com muitas restrições quanto ao parasitismo. Os prédios da capital, no centro elevavam aos ares alguns andares e a fortuna dos proprietários, nos subúrbios não passavam de um andar sem que por isso não enriquecessem os proprietários também. Havia milhares de automóveis à disparada pelas artérias matando gente para matar o tempo, cabarets fatigados, jornais, tramways, partidos nacionalistas, ausência de conservadores, a Bolsa, o Governo, a Moda, e um aborrecimento integral. Enfim tudo quanto a cidade de fantasia pode almejar para ser igual a uma grande cidade com pretensões da América. E o povo que a habitava julgava-se, além de inteligente, possuidor de imenso bom senso. Bom senso! Se não fosse a capital do País do Sol, a cidade seria a capital do Bom Senso!

Precisamente por isso, Antenor, apesar de não ter importância alguma, era exceção mal vista. Esse rapaz, filho de boa família (tão boa que até tinha sentimentos), agira sempre em desacordo com a norma dos seus concidadãos.

Desde menino, a sua respeitável progenitora descobriu-lhe um defeito horrível: Antenor só dizia a verdade. Não a sua verdade, a verdade útil, mas a verdade verdadeira. Alarmada, a digna senhora pensou em tomar providências. Foi-lhe impossível. Antenor era diverso no modo de comer, na maneira de vestir, no jeito de andar, na expressão com que se dirigia aos outros. Enquanto usara calções, os amigos da família consideravam-no um enfant terrible, porque no País do Sol todos falavam francês com convicção, mesmo falando mal. Rapaz, entretanto, Antenor tornou-se alarmante. Entre outras coisas, Antenor pensava livremente por conta própria. Assim, a família via chegar Antenor como a própria revolução; os mestres indignavam-se porque ele aprendia ao contrario do que ensinavam; os amigos odiavam-no; os transeuntes, vendo-o passar, sorriam.

Uma só coisa descobriu a mãe de Antenor para não ser forçada a mandá-lo embora: Antenor nada do que fazia, fazia por mal. Ao contrário. Era escandalosamente, incompreensivelmente bom. Aliás, só para ela, para os olhos maternos. Porque quando Antenor resolveu arranjar trabalho para os mendigos e corria a bengala os parasitas na rua, ficou provado que Antenor era apenas doido furioso. Não só para as vítimas da sua bondade como para a esclarecida inteligência dos delegados de polícia a quem teve de explicar a sua caridade.

Com o fim de convencer Antenor de que devia seguir os tramitas legais de um jovem solar, isto é: ser bacharel e depois empregado público nacionalista, deixando à atividade da canalha estrangeira o resto, os interesses congregados da família em nome dos princípios organizaram vários meetings como aqueles que se fazem na inexistente democracia americana para provar que a chave abre portas e a faca serve para cortar o que é nosso para nós e o que é dos outros também para nós. Antenor, diante da evidência, negou-se.

— Ouça! bradava o tio. Bacharel é o princípio de tudo. Não estude. Pouco importa! Mas seja bacharel! Bacharel você tem tudo nas mãos. Ao lado de um político-chefe, sabendo lisonjear, é a ascensão: deputado, ministro.

— Mas não quero ser nada disso.

— Então quer ser vagabundo?

— Quero trabalhar.

— Vem dar na mesma coisa. Vagabundo é um sujeito a quem faltam três coisas: dinheiro, prestígio e posição. Desde que você não as tem, mesmo trabalhando — é vagabundo.

— Eu não acho.

— É pior. É um tipo sem bom senso. É bolchevique. Depois, trabalhar para os outros é uma ilusão. Você está inteiramente doido.

Antenor foi trabalhar, entretanto. E teve uma grande dificuldade para trabalhar. Pode-se dizer que a originalidade da sua vida era trabalhar para trabalhar. Acedendo ao pedido da respeitável senhora que era mãe de Antenor, Antenor passeou a sua má cabeça por várias casas de comércio, várias empresas industriais. Ao cabo de um ano, dois meses, estava na rua. Por que mandavam embora Antenor? Ele não tinha exigências, era honesto como a água, trabalhador, sincero, verdadeiro, cheio de idéias. Até alegre — qualidade raríssima no país onde o sol, a cerveja e a inveja faziam batalhões de biliosos tristes. Mas companheiros e patrões prevenidos, se a princípio declinavam hostilidades, dentro em pouco não o aturavam. Quando um companheiro não atura o outro, intriga-o. Quando um patrão não atura o empregado, despede-o. É a norma do País do Sol. Com Antenor depois de despedido, companheiros e patrões ainda por cima tomavam-lhe birra. Por que? É tão difícil saber a verdadeira razão por que um homem não suporta outro homem!

Um dos seus ex-companheiros explicou certa vez:

— É doido. Tem a mania de fazer mais que os outros. Estraga a norma do serviço e acaba não sendo tolerado. Mau companheiro. E depois com ares...

O patrão do último estabelecimento de que saíra o rapaz respondeu à mãe de Antenor:

— A perigosa mania de seu filho é por em prática idéias que julga próprias.

— Prejudicou-lhe, Sr. Praxedes?

Não. Mas podia prejudicar. Sempre altera o bom senso. Depois, mesmo que seu filho fosse águia, quem manda na minha casa sou eu.

No País do Sol o comércio ë uma maçonaria. Antenor, com fama de perigoso, insuportável, desobediente, não pôde em breve obter emprego algum. Os patrões que mais tinham lucrado com as suas idéias eram os que mais falavam. Os companheiros que mais o haviam aproveitado tinham-lhe raiva. E se Antenor sentia a triste experiência do erro econômico no trabalho sem a norma, a praxe, no convívio social compreendia o desastre da verdade. Não o toleravam. Era-lhe impossível ter amigos, por muito tempo, porque esses só o eram enquanto. não o tinham explorado.

Antenor ria. Antenor tinha saúde. Todas aquelas desditas eram para ele brincadeira. Estava convencido de estar com a razão, de vencer. Mas, a razão sua, sem interesse chocava-se à razão dos outros ou com interesses ou presa à sugestão dos alheios. Ele via os erros, as hipocrisias, as vaidades, e dizia o que via. Ele ia fazer o bem, mas mostrava o que ia fazer. Como tolerar tal miserável? Antenor tentou tudo, juvenilmente, na cidade. A digníssima sua progenitora desculpava-o ainda.

— É doido, mas bom.

Os parentes, porém, não o cumprimentavam mais. Antenor exercera o comércio, a indústria, o professorado, o proletariado. Ensinara geografia num colégio, de onde foi expulso pelo diretor; estivera numa fábrica de tecidos, forçado a retirar-se pelos operários e pelos patrões; oscilara entre revisor de jornal e condutor de bonde. Em todas as profissões vira os círculos estreitos das classes, a defesa hostil dos outros homens, o ódio com que o repeliam, porque ele pensava, sentia, dizia outra coisa diversa.

— Mas, Deus, eu sou honesto, bom, inteligente, incapaz de fazer mal...

— É da tua má cabeça, meu filho.

— Qual?

— A tua cabeça não regula.

— Quem sabe?

Antenor começava a pensar na sua má cabeça, quando o seu coração apaixonou-se. Era uma rapariga chamada Maria Antônia, filha da nova lavadeira de sua mãe. Antenor achava perfeitamente justo casar com a Maria Antônia. Todos viram nisso mais uma prova do desarranjo cerebral de Antenor. Apenas, com pasmo geral, a resposta de Maria Antônia foi condicional.

— Só caso se o senhor tomar juízo.

— Mas que chama você juízo?

— Ser como os mais.

— Então você gosta de mim?

— E por isso é que só caso depois.

Como tomar juízo? Como regular a cabeça? O amor leva aos maiores desatinos. Antenor pensava em arranjar a má cabeça, estava convencido.

Nessas disposições, Antenor caminhava por uma rua no centro da cidade, quando os seus olhos descobriram a tabuleta de uma "relojoaria e outros maquinismos delicados de precisão". Achou graça e entrou. Um cavalheiro grave veio servi-lo.

— Traz algum relógio?

— Trago a minha cabeça.

— Ah! Desarranjada?

— Dizem-no, pelo menos.

— Em todo o caso, há tempo?

— Desde que nasci.

— Talvez imprevisão na montagem das peças. Não lhe posso dizer nada sem observação de trinta dias e a desmontagem geral. As cabeças como os relógios para regular bem...

Antenor atalhou:

— E o senhor fica com a minha cabeça?

— Se a deixar.

— Pois aqui a tem. Conserte-a. O diabo é que eu não posso andar sem cabeça...

— Claro. Mas, enquanto a arranjo, empresto-lhe uma de papelão.

— Regula?

— É de papelão! explicou o honesto negociante. Antenor recebeu o número de sua cabeça, enfiou a de papelão, e saiu para a rua.

Dois meses depois, Antenor tinha uma porção de amigos, jogava o pôquer com o Ministro da Agricultura, ganhava uma pequena fortuna vendendo feijão bichado para os exércitos aliados. A respeitável mãe de Antenor via-o mentir, fazer mal, trapacear e ostentar tudo o que não era. Os parentes, porem, estimavam-no, e os companheiros tinham garbo em recordar o tempo em que Antenor era maluco.

Antenor não pensava. Antenor agia como os outros. Queria ganhar. Explorava, adulava, falsificava. Maria Antônia tremia de contentamento vendo Antenor com juízo. Mas Antenor, logicamente, desprezou-a propondo um concubinato que o não desmoralizasse a ele. Outras Marias ricas, de posição, eram de opinião da primeira Maria. Ele só tinha de escolher. No centro operário, a sua fama crescia, querido dos patrões burgueses e dos operários irmãos dos spartakistas da Alemanha. Foi eleito deputado por todos, e, especialmente, pelo presidente da República — a quem atacou logo, pois para a futura eleição o presidente seria outro. A sua ascensão só podia ser comparada à dos balões. Antenor esquecia o passado, amava a sua terra. Era o modelo da felicidade. Regulava admiravelmente.

Passaram-se assim anos. Todos os chefes políticos do País do Sol estavam na dificuldade de concordar no nome do novo senador, que fosse o expoente da norma, do bom senso. O nome de Antenor era cotado. Então Antenor passeava de automóvel pelas ruas centrais, para tomar pulso à opinião, quando os seus olhos deram na tabuleta do relojoeiro e lhe veio a memória.

— Bolas! E eu que esqueci! A minha cabeça está ali há tempo... Que acharia o relojoeiro? É capaz de tê-la vendido para o interior. Não posso ficar toda vida com uma cabeça de papelão!

Saltou. Entrou na casa do negociante. Era o mesmo que o servira.

— Há tempos deixei aqui uma cabeça.

— Não precisa dizer mais. Espero-o ansioso e admirado da sua ausência, desde que ia desmontar a sua cabeça.

— Ah! fez Antenor.

— Tem-se dado bem com a de papelão? — Assim...

— As cabeças de papelão não são más de todo. Fabricações por séries. Vendem-se muito.

— Mas a minha cabeça?

— Vou buscá-la.

Foi ao interior e trouxe um embrulho com respeitoso cuidado.

— Consertou-a?

— Não.

— Então, desarranjo grande?

O homem recuou.

— Senhor, na minha longa vida profissional jamais encontrei um aparelho igual, como perfeição, como acabamento, como precisão. Nenhuma cabeça regulará no mundo melhor do que a sua. É a placa sensível do tempo, das idéias, é o equilíbrio de todas as vibrações. O senhor não tem uma cabeça qualquer. Tem uma cabeça de exposição, uma cabeça de gênio, hors-concours.

Antenor ia entregar a cabeça de papelão. Mas conteve-se.

— Faça o obséquio de embrulhá-la.

— Não a coloca?

— Não.

— V.EX. faz bem. Quem possui uma cabeça assim não a usa todos os dias. Fatalmente dá na vista.

Mas Antenor era prudente, respeitador da harmonia social.

— Diga-me cá. Mesmo parada em casa, sem corda, numa redoma, talvez prejudique.

— Qual! V.EX. terá a primeira cabeça.

Antenor ficou seco.

— Pode ser que V., profissionalmente, tenha razão. Mas, para mim, a verdade é a dos outros, que sempre a julgaram desarranjada e não regulando bem. Cabeças e relógios querem-se conforme o clima e a moral de cada terra. Fique V. com ela. Eu continuo com a de papelão.

E, em vez de viver no País do Sol um rapaz chamado Antenor, que não conseguia ser nada tendo a cabeça mais admirável — um dos elementos mais ilustres do País do Sol foi Antenor, que conseguiu tudo com uma cabeça de papelão.




João do Rio foi o pseudônimo mais constante de João Paulo Emílio Coelho Barreto, escritor e jornalista carioca, que também usou como disfarce os nomes de Godofredo de Alencar, José Antônio José, Joe, Claude, etc., nada ou quase nada escrevendo e publicando sob o seu próprio nome. Foi redator de jornais importantes, como "O País" e "Gazeta de Notícias", fundando depois um diário que dirigiu até o dia de sua morte, "A Pátria". Contista romancista, autor teatral (condição em que exerceu a presidência da Sociedade Brasileira de Autores Teatrais, tradutor de Oscar Wilde, foi membro da Academia Brasileira de Letras, eleito na vaga de Guimarães Passos. Entre outros livros deixou "Dentro da Noite", "A Mulher e os Espelhos", "Crônicas e Frases de Godofredo de Alencar", "A Alma Encantadora das Ruas", "Vida Vertiginosa", "Os Dias Passam", "As religiões no Rio" e "Rosário da Ilusão", que contém como primeiro conto a admirável sátira "O homem da cabeça de papelão". Nascido no Rio de Janeiro a 05 de agosto de 1881, faleceu repentinamente na mesma cidade a 23 de junho de 1921.

O texto acima foi extraído do livro "Antologia de Humorismo e Sátira", organizada por R. Magalhães Júnior, Editora Civilização Brasileira — Rio de Janeiro, 1957, pág. 196.

* Informações e ilustração retiradas da internet.

terça-feira, 2 de março de 2010

Por que Eva comeu a fruta?



Achei esse texto engraçadinho... Hehehe
Se até Kate Moss teve suas banhas fotografadas, redimindo todas nós, porque Eva não teria essa preocupação?


Não foi assim facinho não!!!
No início, Eva não queria comer a fruta.
- Come - disse a serpente astuta! - e serás como os anjos!
- Não - respondeu Eva. Virando a cara para o lado!
- Terás o conhecimento do Bem e do Mal - insistiu a víbora.
- Cruzou os braços, olhou bem na cara da serpente e respondeu firme: Não!
- Serás imortal.
- Não! Já disse!
- Serás como Deus!
- NÃO, e NÃO! Já disse que NÃO!

Irritadíssima, quase enfiando a fruta goela abaixo, a serpente já estava
desesperada e não sabia mais o que fazer para que aquela mulher, de
princípios tão rígidos e personalidade tão forte comesse a fruta. Até que
teve uma idéia, já que nenhum dos argumentos haviam funcionado...
Ofereceu novamente a fruta e disse com um sorrisinho maroto:

- Come, boba!!! EMAGRECE!!!!

*Foi tiro e queda!!!!