sábado, 28 de março de 2009

O costume da transgressão

Não há como não se mostrar indignado diante dos absurdos noticiados com freqüência sobre crimes sexuais ultimamente.
Pedofilia, estupro (muitas vezes envolvendo incesto), atentado ao pudor, etc., vem se tornando uma constante e, tenho medo de que isso se torne tão comum que passemos a encarar com a mesma naturalidade que encaramos os assaltos e seqüestros relâmpagos que, até bem pouco tempo, ainda nos chocavam.
Recentemente presenciei um fato lamentável. Estávamos no cinema assistindo ao filme Quem Quer Ser Um Milionário? (Slumdog Millionaire). A sala estava cheia, afinal, tratava-se do filme vencedor do Oscar desse ano! Sábado. Não era tarde, por volta das oito da noite ainda. Mesmo assim, fomos surpreendidos por gritos e uma leva de gente a correr tentando sair do ambiente desesperadamente.
Inicialmente pensamos que pudesse ser princípio de incêndio. Mas não vimos fumaça, logo, ficamos menos apavorados e até desistimos de correr do local. Ficamos de pé, assim como a maioria dos que permaneceram ali, tentando descobrir a causa do tumulto. A escuridão natural do lugar favoreceu nosso pânico. Passaram por nossas cabeças outras hipóteses como tentativa de roubo, briga ou a aparição de um rato, por exemplo.
Pronto! Os seguranças, após algum tempo (que para nós pareceu infinito), deram as caras. As luzes foram acesas e, finalmente, nos chocamos por descobrirmos que esse tipo de coisa pode acontecer mais perto de nós do que imaginamos.
Uma moça desceu rapidamente, chorando. Em seguida, uma senhora, bastante distinta, também chorando, porém, visivelmente mais alterada do que a jovem, passou perto de nós respondendo a mesma pergunta que partia de várias direções ao mesmo tempo:
“O que aconteceu?”. Um tarado tentou agarrar minha filha! Esbravejava a mulher indignada.
Confesso que minha ficha demorou a cair porque por mais que na televisão esse tipo de situação esteja sendo exibida cada vez com mais intensidade, eu já me acostumei às outras hipóteses. Graças a Deus, a esse tipo de transgressão, não, pelo menos, por enquanto.

quinta-feira, 19 de março de 2009

Clodovil



Eu fiquei bastante comovida pela morte de Clodovil. Acredito que, no fundo, eu sinta compaixão por ele, pois, não tenho dúvidas de que por trás da “máscara” de estupidez e arrogância, existia um ser humano doce e gentil.
Penso que seu jeito agressivo e atitudes polêmicas não passavam de tentativas de esconder sua intensa fragilidade. Ele só queria ser amado!!! Mas acabou vítima dos mecanismos de defesa criados por ele mesmo, refém de sua própria maneira.
Paga-se um preço alto por se ter coragem para falar a verdade de forma explícita, mas talvez sua resistência não condissesse com sua impetuosidade.
De qualquer modo, fica o legado dos vestidos, da época em que estilista amava a mulher, enaltecia sua alma através de suas criações, não limitando seu corpo a mero cabide.

segunda-feira, 16 de março de 2009

A proporção de um poema.



Hoje recebi um poema de Fernando Pessoa que me induziu a algumas reflexões. Na realidade, não foram apenas as palavras, mas, um misto de acontecimentos passados e recentes que acabaram sendo reproduzidos de algum modo.
Lembrei-me também do filme Cidade dos Anjos, não por conta do poema de Pessoa, mas por um e-mail que recebi (desses do tipo “auto-ajuda”) em que estava contida a imagem dos protagonistas. Entretanto, foi inevitável associar a mensagem do filme ao poema.
A verdade é que por mais que doa, por mais que a gente evite, no fundo, temos a certeza de que cada escolha significa uma renúncia. Isso é fato. Não há possibilidade de se ter tudo que se quer sempre. A gente pode, no máximo, conciliar por algum tempo, mas, ao final, tudo pode se dissolver. Isso serve para o mal e para o bem.
Pensando na essência de Cidade dos Anjos volto àquela clássica frase do personagem de Nicolas Cage (embora não me lembre exatamente das palavras), mas que traduzia a sensação maravilhosa do "viver sem arrependimentos". E por mais que seja difícil de digerir, talvez por conta dos nossos ideais românticos e visão imediatista dos fatos, temos de admitir o quanto ela é fantástica.
Quando a personagem de Meg Ryan morre, e um amigo do personagem de Nicolas Cage (que também era anjo) pergunta para ele se havia feito sentido a sua abnegação, mesmo agora que ele ficou sozinho (pois ela faleceu) e ele diz que sim e que não se arrependia de ter trocado tudo porque pôde estar (mesmo que por pouco tempo) com ela, eu pensei em como acontecimentos, ainda que aparentemente efêmeros, podem tomar uma proporção imensa em nossas vidas.
Na época em que o filme passou no cinema eu tinha apenas 17 anos. Lembro-me que tinha ido com um namoradinho, cheia de expectativas e planos. Tenho de admitir que, minha visão estreita de mundo não me proporcionou a reflexão necessária acerca da história. Pensava apenas no quanto tinha sido triste a morte da mocinha. Talvez seja por isso também que eu não entendi, na ocasião, o porquê do paquerinha ter me dado um fora algum tempo depois. Não que eu esteja anos-luz à frente daquela menina imatura de 17, mas, depois de muitos anos, e com base em tudo que pude agregar ao longo desse meu caminho, pude compreender o real sentido daquela passagem. E penso com delicadeza também, no poema que recebi.

domingo, 8 de março de 2009

Dia Internacional da Mulher

Hoje é o dia internacional da mulher. Isso obviamente não faz com que eu me sinta mais especial, mas vou colocar um texto, bastante manjado até, de Heloneida Studart (que teve autoria erroneamente atribuída a Rita Lee) só para que a intenção seja reverenciada.

O Poder Desarmado

Eu tinha 13 anos, em Fortaleza, quando ouvi gritos de pavor.
Vinham da vizinhança, da casa de Bete, mocinha linda, que usava tranças.
Levei apenas uma hora para saber o motivo.
Bete fora acusada de não ser mais virgem e os irmãos a subjugavam em cima de sua
estreita cama de solteira, para que o médico da família lhe enfiasse a mão enluvada
entre as pernas e decretasse se tinha ou não o selo da honra.
Como o lacre continuava lá, os pais respiraram, mas a Bete nunca mais foi à
janela, nunca mais dançou nos bailes e acabou fugindo para o Piauí, ninguém sabe como, nem com quem.

Eu tinha apenas 14 anos, quando Maria Lúcia tentou escapar, saltando o muro alto do
quintal da sua casa para se encontrar com o namorado.
Agarrada pelos cabelos e dominada,não conseguiu passar no exame ginecológico.
O laudo médico registrou vestígios himenais dilacerados, e os pais internaram a pecadora no reformatório Bom Pastor, para se esquecer do mundo.
Realmente; esqueceu, morrendo tuberculosa.
Estes episódios marcaram para sempre, e a minha consciência e me fizeram perguntar
que poder é esse que a família e os homens têm sobre o corpo das mulheres?

Ontem, para mutilar, amordaçar, silenciar.
Hoje, para manipular, moldar, escravizar aos estereótipos.
Todos vimos, na televisão, modelos torturados por seguidas cirurgias plásticas.
Transformaram seus seios em alegorias para entrar na moda da peitaria robusta das
norte americanas.
Entupiram as nádegas de silicone para se tornarem rebolativas e sensuais, garantindo
bom sucesso nas passarelas do samba.
Substituíram os narizes, desviaram costas, mudaram o traçado do dorso para se adaptarem à moda do momento e ficarem irresistíveis diante dos homens.
E, com isso, Barbies de facaria, provocaram em muitas outras mulheres - as baixinhas,
as gordas, as de óculos - um sentimento de perda de auto-estima.
Isso exatamente no momento em que a maioria de estudantes universitários (56%) é
composta de moças.
Em que mulheres se afirmam na magistratura,na pesquisa científica, na política, no jornalismo.
E, no momento em que as pioneiras do minismo passam a defender a teoria de que
é preciso feminilizar o mundo e torná-lo mais distante da barbárie mercantilista e
mais próximo do humanismo.

Por mim, acho que só as mulheres podem desarmar a sociedade.
Até porque elas são desarmadas pela própria natureza.
Nascem sem pênis, sem o poder fálico da penetração e do estupro, tão bem representado
por pistolas, revólveres, flechas, espadas e punhais.
Ninguém diz, de uma mulher, que ela é de espadas.
Ninguém lhe dá, na primeira infância,um fuzil de plástico, como fazem com os meninos,
para fortalecer sua virilidade e violência.
As mulheres detestam o sangue, até mesmo porque têm que derramá-lo na menstruação
ou no parto.

Odeiam as guerras, os exércitos regulares ou as gangues urbanas, porque lhes tiram os filhos de sua convivência e os colocam na marginalidade, na insegurança e na violência.
É preciso voltar os olhos para a população feminina como a grande articuladora da paz.
E para começar, queremos pregar o respeito ao corpo da mulher.
Respeito às suas pernas que têm varizes porque carregam latas d'água e trouxas de roupa.
Respeito aos seus seios que perderam a firmeza porque amamentaram seus filhos
ao longo dos anos.
Respeito ao seu dorso que engrossou,porque elas carregam o país nas costas.

São as mulheres que irão impor um adeus às armas, quando forem ouvidas e valorizadas
e puderem fazer prevalecer à ternura de suas mentes e a doçura de seus corações.
"Nem toda feiticeira é corcunda.
Nem toda brasileira é só bunda.“

AUTORA DO TEXTO:Heloneida Studart
(Jornal do Brasil, 06/02/2001)

sábado, 7 de março de 2009

"Mary"



Embora sinalizasse minhas gordurinhas, ela nunca brigou por não conseguir fechar meu espartilho, como ocorria entre Mammy e Scarlett. Suas reclamações eram outras, mas, nem por isso, deixavam de me incomodar.
Não sei por que, mas, nos últimos dias antes do acontecimento doloroso, eu senti certa nostalgia.
Lembro-me que recentemente eu a pedi que preparasse ovos para que eu comesse no café da manhã. Mas antes que ela refletisse o incômodo por eu elevar seus afazeres, ao perguntar como queria, acrescentei: quero que você faça igualzinho a quando eu era criança.
Senti, nesse momento, que por mais que isso a importunasse, um sorrisinho do tipo canto de boca quase escapou, e isso nos deixou felizes.
Acho que só me dei conta de como as coisas haviam mudado e do quanto eu sentiria sua falta quando, ao perceber a filhinha da vizinha se aproximar, guiada por sua babá, pensei alto: Ela já fez tanto isso comigo...
Nessa hora não contive as lágrimas.
Que bom que o pior passou. Tudo é crescimento, mesmo tudo de ruim.

Areia e Mãos.



Sabe quando a gente segura um punhado de areia nas mãos, mas, por ser tão leve, ou, por ser tudo aquilo que tentamos desvendar sem êxito, ele escapa por entre nossos dedos?
É assim que eu me sinto às vezes. Como se a densidade de minhas mãos tentassem conter a todo custo a areia fina que teima em fugir. E o pior não se limita a ter de reconhecer que a areia se vai porque não me pertence. O que motiva minha dor é não saber como me tornar tão leve quanto a areia.
Será que eu seria realmente feliz se já tivesse o castelinho pronto em minhas mãos?